sexta-feira, 9 de novembro de 2007

O Poker e a Mecânica Quântica

Olá a todos! Já faz algum tempo eu ando pensando em escrever um post sobre a relação entre o jogo de poker e as leis da mecânica quântica. Pode parecer uma analogia absurda em um primeiro instante, mas garanto que ambas idéias compartilham de vários pontos em comum. Além do que, quanto mais diferentes dois conceitos são mais interessante pode se tornar relacioná-los. Vamos ver.

Antes de mais nada, vamos definir o que é a mecânica quântica e quais são suas leis. Não pretendo me aprofundar nessa definição e nem tenho a pretensão de considerá-la completa. O que desejo fazer é usar conhecimentos básicos e gerais sobre o assunto para traçar um paralelo com a dinâmica do poker.

Até o início do século XX todo o fundamento da física era moldado pela visão deterministica do Universo, fruto principalmente dos trabalhos de Isaac Newton. Sob essa abordagem, todo e qualquer evento existente é consequência de uma causa e é, também, a causa de outros eventos. Vamos colocar da seguinte maneira: se atirarmos uma bola de sinuca contra outras em uma mesa ela vai colidir e causar um movimento nas demais. Temos a causa (disparo de uma bola de sinuca) e temos uma consequência (o movimento provocado nas demais bolas). Pensando dessa maneira, se pudéssemos medir exatamente de que maneira a primeira bola foi lançada e se tivéssemos à mão todas as fórmulas necessárias para realizar os cálculos poderíamos, teoricamente, saber com antemão como seria o movimento causado nas bolas da mesa de sinuca e, consequentemente, como o sistema se configuraria no final. Agora vamos expandir a idéia até os confins da nossa existência. Imaginem cada átomo do cosmos como uma bola de sinuca e imaginem toda a extensão do Universo como uma mesa. Se soubéssemos qual a configuração dessas "bolas" na "mesa" universal em um dado momento e se tivéssemos como processar toda essa informação usando as fórmulas adequadas poderíamos prever como o Universo se configuraria em qualquer ponto de sua extensão em qualquer instante do tempo. Seria possível prever, inclusive, pequenos detalhes como qual a cor do vestido que aquela mulher vai usar depois de amanhã ou se aquele cachorro vai levantar a pata esquerda ou direita quando for fazer xixi hoje. Qualquer coisa seria previsível, conquanto se possuísse as informações adequadas e uma maneira eficaz de processá-las. Espantados? O impacto dessa corrente de pensamento atingiu a filosofia humana como um soco na boca do estômago. É claro que dificilmente teríamos acesso a toda informação existente no Universo em um determinado instante, muito dificilmente conseguiríamos descobrir fórmulas 100% corretas sobre a interação entre matéria/energia e, ainda assim, seria preciso computadores velocíssimos para processar tamanho fluxo de dados. Mesmo assim, teoricamente, tudo estaria determinado antes mesmo de ocorrer. Em um cenário como esse seria possível existir livre-arbítrio? E qual seria o papel de Deus já que esse não poderia interferir em absolutamente nada dentro do sistema?

Acontece que em 1927 o alemão Werner Heisenberg enunciou o seu Princípio da Incerteza que mudaria para sempre a maneira como vemos o mundo. Segundo esse, qualquer tentativa de medição de uma partícula elementar (ou seja, de tamanho extremamente pequeno) esbarra numa barreira intransponível que impede que tenhamos com absoluta certeza a posição e velocidade dessa partícula num dado instante. Por quê? Porque a medição de uma partícula é feita atirando uma onda (como a luz) contra ela e vendo como essa onda é alterada. Dessa maneira pode-se saber qual a configuração do que se está medindo. Acontece que a onda usada na medição é, antes de mais nada, energia e assim quando essa onda atinge uma dada partícula ela altera a configuração da mesma. Quanto maior a precisão desejada maior deve ser a intensidade da onda atirada, mas quanto maior a intensidade dessa onda maior vai ser a alteração no que se quer medir. Por isso, nunca poderemos saber com certeza a posição e velocidade de uma partícula num determinado instante. Quanto maior a precisão na velocidade, menor a precisão na posição e vice-versa. E quais as consequências disso pra nossa filosofia? Fica comprovado, cientificamente, que por mais determinístico que o Universo seja nós, seres humanos, não teremos acesso às informações sobre as partículas que compôem à nossa existência. E sem os dados sobre as "bolas de sinuca" é impossível fazer qualquer tipo de previsão 100% acurada.

Vou tentar descrever essa impossibilidade imposta pelo Princípio da Incerteza de uma maneira bem simples. Imaginem que o que queremos medir seja um objeto qualquer e que para essa medida acontecer precisamos ver esse objeto. Portanto, deve haver luz batendo no mesmo e voltando até nossos olhos ou do contrário tudo estará escuro e nada poderemos dizer sobre ele. O problema é que quando o objeto é muito pequeno até mesmo a luz pode perturbar seu estado inicial. Então, quando tentamos "ver" esse tipo de objeto na verdade não consiguimos realmente saber com precisão qual era seu verdadeiro estado antes da luz acertá-lo.

Bom, os cientistas continuaram tentando mensurar as partículas mas, cada vez que uma nova tentativa era feita, elas apareciam de uma maneira diferente. Foi aí que um fato curioso aconteceu: por mais que fosse impossível prever com certeza a configuração de uma partícula em uma dada mediação, se fizéssemos várias tentativas e comparássemos os resultados veríamos que uma particula do tipo X apareceria, por exemplo, 10,34% das vezes num ponto, 12,91% das vezes em outro, 21,76% em outro e assim por diante. Além disso, quanto maior o número de medições mais precisas essas porcentagens seriam. Independentemente de onde ou quando as medições são feitas, quanto o maior número delas maior a precisão encontrada. Essa é a verdadeira essência da Mecânica Quântica. Nessa nova abordagem da física as partículas elementares deixam de ter uma configuração conhecida num dado instante (por exemplo, ter posição 10 e velocidade 20) e passam a ter uma chance de possuírem tal configuração (por exemplo, 10% de chance de terem posição 10 e velocidade 20). Nada mais pode ser dito a curto prazo, apenas a longo prazo.

Alguém aí percebeu a semelhança com aquele conhecido jogo chamado poker? Pensem comigo: eu tenho KQs, ambos de copas. Na mesa estão JT2 (sendo o J e T de copas). Minhas chances de vencer são muito boas. Várias cartas no turn me garantem um flush, um straight ou até mesmo um straight flush que muito provavelmente me dariam a vitória. Ainda restam 2 cartas por vir, posso ganhar fazendo top pair, posso ganhar sem ao menos atingir jogo algum. Realmente eu tenho tudo pra conseguir esse pote. Entretanto eu pergunto: alguém aí apostaria a casa nessa situação? Você apostaria a sua própria vida nela? NÃO! E o motivo disso é que, por maior que seja a chance de você ganhar, em uma única rodada NADA PODE SER PREVISTO! Da mesma maneira como na mecânica quântica nada pode ser dito sobre uma única medição de partícula assim também no poker nada pode ser dito quanto ao desenrolar de um único round de jogada. As previsões em ambos cenários só começam a fazer sentido a longo prazo, depois de várias e várias constatações.

Com isso eu explicito aqui quão irrisório é um um único round de jogada no poker. Sabe aquela vez que você tinha tudo pra ganhar e não ganhou? Pois então, você amaldiçoou as cartas, o crupiê, Deus e tudo mais, não foi? Pois saiba que aquilo não significou absolutamente NADA! Dentro desse nosso Universo (tanto o verdadeiro quanto o do poker) tudo é possível. Porém, por mais caótico que ambos possam parecer, há logíca por trás destes. Só é necessário saber "ver" essa lógica. E qual seria ela? VISÃO A LONGO PRAZO.

Com isso eu encerro minha tese. Concluo que tanto no poker quanto no mundo subatômico o que prevalece são as chances e possibilidades. Digo que nada pode ser dito em um dado instante e que qualquer previsão só é sensata a longo prazo. Espero que essas idéias possam servir de ponto de partida para muitas outras em cada um de vocês, tanto no que se refere à fisíca, à existência e, é claro, na maneira como vocês encaram e jogam poker.

Para quem quiser mais referências sobre qualquer tópico aqui abordado, por favor deixem uma mensagem. E gostaria muito de ouvir de vocês opiniões sobre o texto que agora se encerra.

Muito obrigado a todos e até!

11 comentários:

Anônimo disse...

Pô cara... muito profundo... hehe.
Nunca vi relacionar física/mecânica quântica com poker... mas é uma abordagem interessante, no mínimo diferente.
Se analisarmos a fundo tudo que existe no mundo, qualquer coisa considerada matéria está relacionada... então porque não relacionar o poker com elas também... boa...
Vlw
Jonathan Hoerlle
jonathan_hoerlle@yahoo.com.br

Especulador disse...

Daniel,

Mais um excelente post. O ponto que determina que o poker realmente não é um jogo de azar é este, o longo prazo. Quem faz a jogada correta não deve lamentar se seus 15 outs não saíram. Ora, se você tinha os pot odds necessários, tinha a leitura correta do oponente, tinha o risco sobre controle, por que diabos lamentar a jogada correta? Um jogador de poker acaba se tornando então, neste sentido, menos passional. E na mesa as emoções podem induzir a erros ridículos.

Com o tempo, acabamos levando isso para a vida como um todo e procurando sempre tomar a decisão +EV. Nesse ponto não devemos considerar a máxima de John Maynard Keynes que disse que "no longo prazo estaremos todos mortos". Poderíamos dizer: sem o longo prazo as bad beats nos matariam. hehehe

Daniel disse...

Exatamente, especulador! Faço minhas as suas palavras! É esse sentido mesmo que eu quis passar com o texto. Tudo gira em torno do conceito "a longo prazo"! Aquele que conseguir captar isso e aplicar no poker (e em qq outro campo da vida) vai ser muito melhor sucedido!

Abraço!

Anônimo disse...

É importante também saber ser preciso para poder "chegar" ao longo prazo hem! Acho importante ressaltar que os passos devem ser bem medidos e bem construídos pois nem sempre - tiremos por base o texto por exemplo - há um controle da situação, e isso por parte de ninguém, não é? Isso inclui o poker também. A partir disso é bom saber "firmar o golpe", assimilar as derrotas - mas também as vitórias!

Boa analogia Daniel!

Cascudo disse...

Excelente Post ! gostei bastante dessa teoria do "poker quantico" ... hehe:) , quem ja assitiu ao filme Quem Somos Nos ??? eu vi e consegui compreender melhor a Física Quântica... Com relacão ao longo prazo achei ótimo "conselho
" sigam... sou finacial adviser e acredito por experiencia própia no "Longo Prazo"...

Bom Poker a todos!!
Have Fun...
--LHC--

X disse...

Cara, muito massa.

Quando vi o termo financial adviser lembrei de um artigo, que meu amigo pediu justamente pra estudar as relações entre o poker e a bolsa de valores. O artigo do Chris Ferguson, disponível em:

http://www.fulltiltpoker.com/tip-email-100-deposit.php?utm_id=89?key=MDAwMDQ3NEQwMDAwQkNBNzAwMDAwMDAwMDAwMDAwMDA-

Acho que o poker conversa muito bem com diversas áreas de conhecimento.
Tenho pensado a respeito desse longo prazo, inserindo também a roda da fortuna na equação. Sabem a música do Chico Buarque, Roda Viva? Então, todo mundo tem períodos em cima, descendo, subindo e em baixo. Não só nas cartas, mas nas situações. Aqueles flops delícia, aquele louco que buscou um river absurdo.

Tentando ser um pouco ousado, e determinar quando podemos detectar quando estamos numa maré, seja de azar ou sorte. KK, AK, flush com AQ, tudo dando certo.

Firmeza nos movimentos, boa leitura dos outros.. há uma nuvem massa e acho que dá pra medir. Do outro lado, creio que a muitos passem por períodos de Tilt. Quando o lembrete "Não ficar passional" é ignorado.

Vixe, tem uma porrada de textos aqui comparando o poker principalmente com teorias de comportamento social. Mas acho que falei demais.

Espero não ter saído muito do assunto, sabe como é..

Falou, no tilt!

X disse...

O artigo em:

http://tinyurl.com/2nhvrb

Falou!

Daniel disse...

x, vc falou muito bem, cara! Concordo plenamente com tudo isso! Muito obrigado pelo link, vou dar uma olhada lah sim! E com certeza o poker conversa com várias áreas do nosso cotidiano! Inclusive com essa música do Chico hehehe

Um abração e muito obrigado pela visita ao blog!

Instituto Complexus disse...

E aí, tudo bem?
Muito legais as considerações, sou super interessado por assuntos relacionados à Física Quântica.
A propósito: de onde tiraste essa figura muito legal do quark?
É uma foto de um quark?
Abraços
Alexsander

[Luiz Otavio] disse...

Parabéns pela simplicidade e objetividade na analogia.

Anônimo disse...

Realmente ao ler esse texto mim fez ter uma nova reflexão a respeito da mecânica quântica. Acredito que deus nos permite alcançar, apenas aquilo que nos foi proposionado...